Saudade (eterna)

(ao meu pai)

 

por ti

troquei o sol de março

atravessei terras

fronteiras

para te ver

inerte

 

já não para festejar

a tua septuagésima primavera

 

mas as árvores floriram

aves migratórias ficaram

para te ver voltar

à terra

 

nesse dia-noite sem sono

demasiado tudo para

sentir

 

nasce o sol e a primavera

já não sem contrapartidas

pois foi exatamente num dia

assim

que partiste

 

não sei se pudeste vê-los

se ouviste o choro dos animais

se floriste também

nesse dia

 

por ti

unimos as mãos

rezamos missas e rosários

escolhemos rosas, malmequeres

e uma pedra tombal

 

vimos rostos de um passado

distante, olhares vazios

procurando nos nossos os teus

traços

gestos

e uma razão

 

observados, comentados

prostrados à volta do teu

corpo

sem aceitar o fim

 

vida

para nós tão

curta

 

incertos

assim nos deixaste

com esse rumo

injusto

 

naquele dia

revivido vezes sem conta

até ao silêncio

da paz