Timor mais uma vez
porque sugaram a voz
aos que disseram um dia serem avós
e nos vales de pedra,
onde o ímpar é transparente,
tropeçam corpos sem idade
sem pernas para cortar bandeiras brancas
a hastear hinos.
invulneráveis,
as armas gritam às alavancas vermelhas :
o uso não justificado será punido
e solidárias, as obras desvitalizam os órgãos
como terra infértil a sonhar vida.
quando o medo cedeu às chamas da fome
o não libertador tardou a dizer não de vez
enquanto corpos continuavam a cair pelo chão.
no sumário de hoje aprendi que nada importa
quando falta o pão e a terra ;
que nada é sem que haja paz
e que, mesmo na incerteza,
os olhos continuam fogos de madrugada
pois perante a barbárie humana
não há gesto nem palavra.
Bomba de mau cheiro
com gritos de um minuto
e sons tribais que manifestam paz,
espreitam-se laivos do fim de uma guerra
visitada na madrugada
sem anúncio de cartaz.
somam-se percentagens de inquérito
nos arquivos sem vida :
bombardeadores de mantimentos,
leigos em missão de desvio
condecorados em pleno desvario,
manequins profetas da fama.
presidentes e pretendentes
tomam-se por competentes
estrategas do pensamento,
bolseiros bolsistas
patrocinadores de um sofisticado
plano de saqueamento.
o pano de fundo pinta-se de branco
na ironia da estratégia
presumindo esperanças
que dão receitas a tanta gente.
e o peso das massas consome-se
na alheia hipótese de se ser privilegiado
e da semelhança indiferente
a roubar pão e a matar a gente.
Poesia para Timor Loro Sae, Palimage Editores, 1999